segunda-feira, 19 de setembro de 2011

A Importância da Memória e dos Patrimônios Histórico-Sociais na Criação do Sentido do Mundo

RAMIS CAMPOS VENÂNCIO
3º ano Educação Artística - Licenciatura


“Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo...”
Carlos Drummond de Andrade
Sentimento do mundo

O passado gera um grande paradoxo e um grande dilema em nossa vida se nos empenharmos em considerá-lo profundamente, pois em nossas vidas ele está ao mesmo tempo presente, apesar de já ter passado, e não está presente, por que já passou. Essas duas possibilidades se dão graças à memória, onde temos guardada todas as nossas vivências e estabilizadas nossas experiências.

Não desconsideremos que neste processo o que mais ficam marcadas são as nossas sensações e nossas emoções. Nossas lembranças nos permitem rememorar momentos marcantes e decisivos de nossa história e reviver, junto deles, mas de modo imaginário, as sensações que tivemos e os sentimentos que sentimos, em suma, o estado geral em que estávamos num determinado momento onde algo marcante tenha acontecido.

Mesmo passado o passado marca presença em nosso presente, motivando nossos modos de ser e sentir, delimitando nossas atitudes, nosso temperamento. Por isso o tempo é um paradoxo. Quando o Tempo se liga ao Ser, dobra-se sobre si mesmo, e o passado pode ser projetado no presente e no futuro. Temos sobre a raça humana um exemplo vivo da Tira de Moebius, desdobrando de si mesma uma grande extensão de um pequeno fato.

Claro que o tempo no Ser nada é sem a memória, sem o registro. Para compreender o valor dessa capacidade tomemos como exemplo a grande lacuna de registros ou de memórias que nos faltam entre o acontecimento do Big-Bang até o período imediatamente anterior á escrita. Nesta condição as únicas memórias de um passado remoto que temos provém de duas fontes: os resquícios de comunidades primitivas já extintas, e os mitos, as religiões, os saberes tipicamente baseados na oralidade.

Assim, eis o valor de nossas memórias e de tudo que esteja relacionado com ela, como os registros do passado não vivido, mas possível de ser intuído através desses mesmos registros. Isso aprofunda nosso sentimento de humanidade, de existência, estabelecendo certas essências humanas mesmo em diferentes épocas, contrastando passado com presente, tendo como eixo o que foi, o que é e o que pode ser o Ser humano.

Desta forma o patrimônio histórico-cultural seria equivalente ao registro e a memória, importante em si mesmo porque carrega consigo características de uma outra época fundamentais para a compreensão da humanidade. Sem memórias, sem registros, sem essa espécie de apego ao que já passou perderíamos a identidade de nosso presente. Estaríamos soltos no tempo, sem raízes que nos prendessem a terra onde nos desenvolvemos.

Lembro-me de uma vez quando, desejando determinar a árvore genealógica de minha família e a história de meus antepassados, e pedindo auxílio a minha Vó, retrucou-me: "é pra ganhar dinheiro? Não! Não há necessidade disso. Deixe o passado quieto, descansando, porquê temos que viver o presente!". Não pude deixar de me sentir aborrecido com esta resposta.

Como uma pessoa com tanto tempo de existência e múltiplas vivências poderia ignorar esse tempo e essa memória, se negando a se disponibilizar, como uma espécie de registro vivo, para o presente ou futuro as marcas de um passado...? Sem isso, como eu poderia valorizar o presente? Como poderíamos trabalhá-lo sem o cimento que o passado nos dispõe? Não há fundação sólida quando não há consideração pelo passado.

Eis o valor histórico e social da memória. Tanto é grande esse valor que sua expressão mais corriqueira é sua presença marcante nos currículos escolares como uma dentre as várias habilidades a serem desenvolvidas, devido ao seu valor entre os deveres e responsabilidades aos quais a nossa sociedade contemporânea chama. Nesse caso memória pareceria se confundir com memorização...

Mas disso confundir memória histórica e memorização educacional é um equívoco profundo, porquê o significado das duas são totalmente diferentes, apesar das duas integrarem tanto o currículo acadêmico quanto o escolar. Por isso faz-se urgente diferenciar estes dois processos, de modo a superar a memorização mecânica e a memória histórica social, fundamental na constituição da identidade de um ser e sua ligação e valorização ao lugar onde mora e suas características.

A explicação desses diferentes valores da memória se dá pela diferença da didática presente em cada contato com o material de estudo. A memorização é uma habilidade que é desenvolvida de modo linear e repetitivo no meio acadêmico e escolar, culminando na reprodução de um modelo tomado como correto e que será internalizado por um aprendiz. Neste processo o educando somente utilizará sua razão dispensando a emoção e sua possibilidade de gerar conhecimentos.

Já na memória histórico social, esta não é algo que se ensina, que se ofereça como um modelo a ser internalizado, mas sim como uma estrutura a ser construída, internalizada pelo sujeito, mas por este conduzida na sua construção, na identificação do seu subjetivo com o mundo objetivo, o qual só é possível mediante a mobilização das emoções, da sensibilidade, dos sentidos, fundamentais para poder criar sentidos, visto que entrará em contato, por exemplo, neste caso, com os patrimônios.

Então, manter os patrimônios o máximo intacto possível seria colocar o ser em contato com o objeto do passado com o mínimo de mediação e intervenções contemporâneas o possível, onde as sensações criarão um sentido para um passado que não foi vivido de fato.

A presença de um patrimônio mantido em sua integridade permite que uma memória supere a simples condição de memorização mecânica de um passado não vivido, e atinja os recônditos mais essências da sensibilidade humana. Preservar um patrimônio histórico é proporcionar as novas gerações uma experiência sensível e intelectual do passado, dando a este mesmo passado um significado e situando-o com um valor em relação a um presente e a um futuro. Forma-se aí um ser mais integral com a vida.

Parti do valor social da memória para discutir o seu significado no meio educacional e acadêmico de modo a esclarecer seus significados e retomar a importância da vivência para a memória.

Concluí disso a importância da manutenção do máximo de intactibilidade possível dos monumentos históricos, pois que sua importância na formação da memória histórica se faz clara no sentido da formação da identidade tanto de uma sociedade quanto da humanidade.

 

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